RESUMO:
Esta atividade propõe uma análise do texto ”A criação do texto literário”,de Leyla Perrone-Moisés,estabelecendo uma leitura crítica entre o conto “Felicidade clandestina”,de Clarice Lispector,tendo o texto como base, para argumentar a forma como o conto foi criado e também a proposição de sua teoria.
PALAVRAS-CHAVE:
Leitura crítica, “Felicidade clandestina” e “A criação do texto literário”.
(Criação: Tirar do nada,tornar existente aquilo que não existia antes.)
Leyla Perrone-Moisés
(“Felicidade clandestina”: Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.)
Clarice Lispector
“A criação do texto literário”, de Leyla Perrone-Moisés, o qual está inserido na obra Flores na Escrivaninha. O texto questiona cada palavra minuciosamente desde sua gênese até as possíveis associações de termos.
Inicialmente, é demonstrado os significados das palavras texto e criação. O termo criação é relacionado ao divino ou absoluto,isso é percebido lendo uma passagem como esta:
“A palavra criação supõe tirar do nada,o tornar existente aquilo que não existia antes. (...)Assim como Deus criou o mundo a partir do Verbo, assim o autor literário instauraria um mundo novo,nascido de sua vontade e de sua palavra”.
No conto “A felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, é possível perceber que os personagens vivem momentos de fluxo de consciência e epifania, exemplo:
“Chegando em casa,não comecei a ler.Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter.Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes.Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade”.
Com isso torna-se percepitível que a utilização do tempo pisicológico mescla entre o presente e a imaginação, onde passamos a ter uma visão mais aprofundada da vida e das palavras.
Em “A criação do texto literário”, Perrone-Moisés associa a palavra criação aos termos,invenção,produção,representação e expressão. Dando continuidade de forma linear a palavra criação e assim sucessivamente.
Ao contrário,no conto “Felicidade clandestina”,Clarice Lispector faz com que nessa história não haja uma sequência tradicional de começo,meio e fim, pelo fato dos personagens viverem os momentos de epifania.
No texto “A criação do texto literário”,é apresentado a intenção da autora ao explicar detalhadamente o título,no seguinte parágrafo:
“ (...) as palavras devem ser reexaminadas,exploradas,elas nos ajudam, na aproximação do saber, na medida em que conhecemos seus pressupostos e seus limites”.
O mesmo aconte no conto “A felicidade clandestina” a utilização da descrição faz com que formemos completamente as
características físicas de seus personagens,isso ocorre logo pelo início,como:
“Ela era gorda,baixa,sardenta e de cabelos excessivamente crespos,meio arruivados.Tinha um busto enorme”.
No decorrer do conto isso torna-se ainda mais evidente,a maneira como ela descreve seus personagens,fazendo descrições extremamente miniciosas, que pode ser observado nesta narração:
“ Tinha um busto enorme,enquanto nós éramos achatadas.Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto,com balas”.
E no decorrer do conto a descrição ocorre de maneira mais intensa,como:
“Mas que talento tinha para a crueldade.Ela toda era pura vingança,chupando balas com barulho”.
No texto de Perrone-Moisés,é ressaltado que as palavras invenção,produção,representação e expressão,embora sejam insulficientes para explicar o fazer literário,são retomadas por ela como benefício de investigação da criação literária.Por essa razão, é ressaltado a impossibilidade de “a linguagem representar ou expressar um real prévio,criar,inventar ou produzir um objeto auto-suficiente,ou reabsorvido e utilizado pelo real concreto.Assim, a literatura, ao partir do real é impossibilitada de representá-lo,como neste modelo:
“A literatura parte de um real,pretende dizer,falha ao dizê-lo,e quando falha diz outra coisa, e acaba desvendando algo mais real do que aquele que pretendia dizer”.
A partir disso nasce a literatura,dessa falta ou lacuna,que seria preenchida pela linguagem.Que é aludido pela autora como mundo“insatisfatório”,na qual uma das maneiras de compensação seria o exercício da imaginação.E a literatura é citada como uma forma de preencher os vazios,uma maneira de fuga.
Isso é exatamente esplícitado no conto de Clarice Lispector,desde o título “Felicidade clandestina”,onde é retratado sua infância.Onde felicidade almejada pela menina está a todo momento subordinada a oportunidade de acesso ao livro.
A busca dealgo que a complete,essa felicidade se torna clandestina a partir do seu desejo de ter o que não possui,permitindo a manipulação por parte da outra personagem.
A subordinação a outra menina pode ser compreendida neste trecho:
“Quanto tempo?Eu ia diariamente à sua casa,sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde,mas você só veio de manhã,de modo que eu emprestei a outra menina.
A busca pela felicidade através da literatura,para amenizar a insatisfação,supracitada no texto de Perrone-Moisés,é percebida neste exemplo:
“ Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.A felicidade sempre ia ser clandestina para mim.Parece que eu já pressentia.Como demorei!Eu vivia no ar...Havia orgulho e pudor em mim.Eu era uma rainha delicada".
A insatisfação do ser humano com o real no texto de Perrone-Moisés é identificada desde cedo,ao nascermos,como pode ser representado nessa citação:
“Ao nascermos,o ato de respirar e o choro evidência o desconforto no útero materno”.
Logo depois desta primeira evidência da não satisfação do mundo real,é localizado mais uma,como esta:
“Nos dias e meses seguintes, o bebê reclama o fato de não ter a mãe por perto,como gostaria,e seu corpo já não estáem permanente bem-estar”.
Com isso pode-se relacionar também a outros fatores que colaboram a essa insatisfação no conto,como a situação financeira.
No conto “Felicidade clandestina” a narradora relembra sua infância no Recife,de família pobre,suas condições não eram suficientes para comprar livros,tendo que pedí-los emprestados,para a filha de um dono de livraria,sua ingenuidade e vontade de ler eram tão grandes que ela nem percebia a qual situação estava sendo subordinada para conguir o livro “As reinações de Narizinho”.
Toda essa vontade de ler,esse esforço no qual ela submetia-se tinha um propósito,que era aproximar-se,ter um momento de
felicidade,citada por ela como clandestina.Obtendo a conclusão de que a literatura era uma maneira de atenuar o mundo insatisfatório,citado por Perrone-Moisés,que este mundo estaria completamente ligado a sua situação financeira,onde a leitura seria o seu ponto de fuga.
Essa “Felicidade clandestina” é claramente percebida na última frase do conto: “Não era mais uma menina com seu livro: era uma mulher com seu amante”.A utilização da palavra amante reforça o sentido da clandestinidade por ela significar algo que não lhe pertence.
Portanto o texto de Perrone-Moisés, teve a função de explicar,passo a passo,exatamente o que é vivido pela personagem do conto de Clarice Lispector,onde é apresentado e abordado o tema felicidade,já no texto é explicado o porque da busca por essa
felicidade.
Sem leitura não se pode escrever. Tão-pouco sem emoção, pois a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, apesar da linguagem( JORGE LUIS BORGES )