Fernanda Martines de Araújo 
"Felicidade clandestina": A descoberta de um mundo
"Felicidade clandestina": A descoberta de um mundo

 

"Felicidade clandestina": A descoberta de um mundo insatisfatório.

 
 

RESUMO:

             Esta atividade propõe uma análise do texto ”A criação do texto literário”,de Leyla Perrone-Moisés,estabelecendo uma leitura crítica entre o conto “Felicidade clandestina”,de Clarice Lispector,tendo o texto como base, para argumentar a forma como o conto foi criado e também a proposição de sua teoria.

 PALAVRAS-CHAVE:
Leitura crítica, “Felicidade clandestina” e “A criação do texto literário”.

                           (Criação: Tirar do nada,tornar existente aquilo que não existia antes.)

                                                                              Leyla Perrone-Moisés

   (“Felicidade clandestina”: Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com seu amante.)

                                                                              Clarice Lispector

 

          “A criação do texto literário”, de Leyla Perrone-Moisés, o qual está inserido na obra Flores na Escrivaninha. O texto questiona cada palavra minuciosamente desde sua gênese até as possíveis associações de termos.

             
           Inicialmente, é demonstrado os significados das palavras texto e criação. O termo criação é relacionado ao divino ou absoluto,isso é percebido lendo uma passagem como esta:

                                “A palavra criação supõe tirar do nada,o tornar existente aquilo que não existia antes. (...)Assim como Deus criou o mundo a partir do Verbo, assim o autor literário instauraria um mundo novo,nascido de sua vontade e de sua palavra”.

    

           No conto “A felicidade clandestina”, de Clarice Lispector, é possível perceber que os personagens vivem momentos de fluxo de consciência e epifania, exemplo:

                                    “Chegando em casa,não comecei a ler.Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter.Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes.Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade”.  

           Com isso torna-se percepitível que a utilização do tempo pisicológico mescla entre o presente e a imaginação, onde passamos a ter uma visão mais aprofundada da vida e das palavras.

           Em “A criação do texto literário”, Perrone-Moisés associa a palavra criação aos termos,invenção,produção,representação e expressão. Dando continuidade de forma linear a palavra criação e assim sucessivamente.

         Ao contrário,no conto “Felicidade clandestina”,Clarice Lispector faz com que nessa história não haja uma sequência tradicional de começo,meio e fim, pelo fato dos personagens viverem os momentos de epifania.

     No texto “A criação do texto literário”,é apresentado a intenção da autora ao explicar detalhadamente o título,no seguinte parágrafo:

                                   “ (...) as palavras devem ser reexaminadas,exploradas,elas nos ajudam, na aproximação do saber, na medida em que conhecemos seus pressupostos e seus limites”.

         O mesmo aconte no conto “A felicidade clandestina” a utilização da descrição faz com que formemos completamente as
características físicas de seus personagens,isso ocorre logo pelo início,como:

                                   “Ela era gorda,baixa,sardenta e de cabelos excessivamente crespos,meio arruivados.Tinha um busto enorme”.

       No decorrer do conto isso torna-se ainda mais evidente,a maneira como ela descreve seus personagens,fazendo descrições extremamente miniciosas, que pode ser observado nesta narração:

                                   “ Tinha um busto enorme,enquanto nós éramos achatadas.Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto,com balas”.

 

         E no decorrer do conto a descrição ocorre de maneira mais intensa,como:

                                              
                                                  “Mas que talento tinha para a crueldade.Ela toda era pura vingança,chupando balas com barulho”.

          

            No texto de Perrone-Moisés,é ressaltado que as palavras invenção,produção,representação e expressão,embora sejam insulficientes para explicar o fazer literário,são retomadas por ela como benefício de investigação da criação literária.Por essa razão, é ressaltado a impossibilidade de “a linguagem representar ou expressar um real prévio,criar,inventar ou produzir um objeto auto-suficiente,ou reabsorvido e utilizado pelo real concreto.Assim, a literatura, ao partir do real é impossibilitada de representá-lo,como neste modelo:

                                 “A literatura parte de um real,pretende dizer,falha ao dizê-lo,e quando falha diz outra coisa, e acaba desvendando algo mais real do que aquele que pretendia dizer”.

      

          A partir disso nasce a literatura,dessa falta ou lacuna,que seria preenchida pela linguagem.Que é aludido pela autora como mundo“insatisfatório”,na qual uma das maneiras de compensação seria o exercício da imaginação.E a literatura é citada como uma forma de preencher os vazios,uma maneira de fuga.

         Isso é exatamente esplícitado no conto de Clarice Lispector,desde o título “Felicidade clandestina”,onde é retratado sua infância.Onde felicidade almejada pela menina está a todo momento subordinada a oportunidade de acesso ao livro.

         A busca dealgo que a complete,essa felicidade se torna clandestina a partir do seu desejo de ter o que não possui,permitindo a manipulação por parte da outra personagem.

     A subordinação a outra menina pode ser compreendida neste trecho:

                                     “Quanto tempo?Eu ia diariamente à sua casa,sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde,mas você só veio de manhã,de modo que eu emprestei a outra menina.

      

         A busca pela felicidade através da literatura,para amenizar a insatisfação,supracitada no texto de Perrone-Moisés,é percebida neste exemplo:

                                       Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade.A felicidade sempre ia ser clandestina para mim.Parece que eu já pressentia.Como demorei!Eu vivia no ar...Havia orgulho e pudor em mim.Eu era uma rainha delicada".

        

      A insatisfação do ser humano com o real no texto de Perrone-Moisés é identificada desde cedo,ao nascermos,como pode ser representado nessa citação:

                                     “Ao nascermos,o ato de respirar e o choro evidência o desconforto no útero materno”.

      

       Logo depois desta primeira evidência da não satisfação do mundo real,é localizado mais uma,como esta:

                                     “Nos dias e meses seguintes, o bebê reclama o fato de não ter a mãe por perto,como gostaria,e seu corpo já não estáem permanente bem-estar”.

        

       Com isso pode-se relacionar também a outros fatores que colaboram a essa insatisfação no conto,como a situação financeira.

       No conto “Felicidade clandestina” a narradora relembra sua infância no Recife,de família pobre,suas condições não eram suficientes para comprar livros,tendo que pedí-los emprestados,para a filha de um dono de livraria,sua ingenuidade e vontade de ler eram tão grandes que ela nem percebia a qual situação estava sendo subordinada para conguir o livro “As reinações de Narizinho”.

          Toda essa vontade de ler,esse esforço no qual ela submetia-se tinha um propósito,que era aproximar-se,ter um momento de
felicidade,citada por ela como clandestina.Obtendo a conclusão de que a literatura era uma maneira de atenuar o mundo insatisfatório,citado por Perrone-Moisés,que este mundo estaria completamente ligado a sua situação financeira,onde a leitura seria o seu ponto de fuga.

        Essa “Felicidade clandestina” é claramente percebida na última frase do conto: “Não era mais uma menina com seu livro: era uma mulher com seu amante”.A utilização da palavra amante reforça o sentido da clandestinidade por ela significar algo que não lhe pertence.

        Portanto o texto de Perrone-Moisés, teve a função de explicar,passo a passo,exatamente o que é vivido pela personagem do conto de Clarice Lispector,onde é apresentado e abordado o tema felicidade,já no texto é explicado o porque da busca por essa
felicidade.

 

Sem leitura não se pode escrever. Tão-pouco sem emoção, pois a literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais. Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor, apesar da linguagem( JORGE LUIS BORGES )

 




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